quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Físico fala sobre Filosofia das Origens

Frederik Santos
Apesar do debate Criacionismo X Evolucionismo ter "sido artificialmente importado para o Brasil" e estar ganhando espaço na mídia, o físico e mestre em Filosofia Contemporânea, Frederik Santos* acredita que a contraposição de idéias e visões é algo sempre positivo.  "Conhecer apenas um discurso sobre o mundo, emburrece e limita o intelecto", defende ele.  Em conformidade a este pensamento, acontece em Salvador, nos próximos dias 13 a 15, a I Conferência Internacional de Filosofia Científica das Origens.  O evento discutirá a temática e apresentará pesquisas e evidências relacionadas ao criacionismo. "No dia que alguém desenvolver uma teoria de base criacionista que seja capaz de explicar e prever mais fenômenos naturais de forma mais poderosa, então tal teoria começará a ganhar mais terreno", argumenta o físico que é professor em cursos de graduação da Uiversidade Federal da Bahia (UFBA).  Confira a entrevista realizada com o professor:


Do ponto de vista da Filosofia da Ciência, existem muitas teorias sobre as origens dos seres humanos e do universo?
F. S: Existem várias, porém teorias científicas não muitas. Não sei se podemos dizer que alcançamos o mesmo grau de clareza quanto aos mecanismos e processos que deram origem ao homem se compararmos aquilo que sabemos quanto à origem ao Universo.

Quais delas podemos classificar como científicas, levando em conta as evidências e procedimentos que levaram à consolidação?
F.S:  Aqui não podemos evitar o problema da demarcação entre ciência e pseudociência. Este foi um dos problemas mais polêmicos nas discussões dos filósofos da ciência durante o século XX. Portanto, o máximo que posso dizer é que são levadas a sério pela maioria dos cientistas aquelas teorias e hipóteses que trazem informações novas sobre os sistemas estudados (sejam do mundo inanimado, psíquico ou social) de maneira que sejam capazes de nos fornecer modelos explicativos e/ou que nos forneçam um grau razoável na previsão dos dados passíveis de observação.

Poderia citar as que tem maior evidência nos meios acadêmicos baianos?
F. S: Seria preciso uma pesquisa de opinião, pois não tenho informações que sejam representativas da comunidade científica baiana. No entanto, na Universidade Federal da Bahia há um dos grupos (Grupo de Pesquisa em História, Filosofia e Ensino de Ciências Biológicas) mais ativos na área de pesquisa sobre ensino e fundamentos da Biologia, tem a teoria da Evolução como eixo central. Este grupo tem sido fortemente influenciado por abordagens evolutivas não-ortodoxas, ou seja, aquelas que não se restringem as teorias neodarwinista, tais como a do biólogo Stephen Jay Gould. Quanto à evolução do universo, o pensamento paradigmático  que acredita que sua origem ocorreu a partir de um evento singular chamado Big-Bang, é o dominante.

E sobre a controvérsia entre Evolucionismo X Criacionismo que provoca debates muito acalorados em países europeus e nos EUA, por que esta tradição não se reflete nos centros de conhecimento nacionais?
F.S: Por várias razões... Primeiro, porque existem vários criacionismos e o tipo que enfrenta maior conflito na academia e nas escolas é aquele que se baseia em uma leitura literalista da narrativa da criação, ou seja, uma criação ocorrida em sete dias literais. Este criacionismo não é tão popular no Brasil (mesmo entre os católicos), diferente da realidade do sul dos EUA e de parte da sua costa oeste. No entanto, continua ganhando adeptos no Brasil, à medida em que ocorre o crescimento dos evangélicos, e esta é uma das razões que explica o porquê deste tema estar ganhando cada vez mais espaço na mídia.
Minha segunda observação é de natureza pragmática. Apesar de todo cientista possuir seus pressupostos filosóficos e/ou religiosos, raramente tais pressupostos vem à tona, a não ser que estes levem a modelos teóricos que forneçam resultados observacionais conflitantes. Neste caso, o foco do debate ou da controvérsia será em torno de qual modelo, fornecerá previsões mais precisas dos resultados observados.
Por fim, creio em uma terceira razão de fundo ideológico e político. O criacionismo literalista está atrelado a certos valores cristãos tradicionais e conservadores em que parte da sociedade americana defende. Os conflitos entre criacionismo e evolucionismo têm ocorrido principalmente na região chamada "cinturão da Bíblia", em geral nos estados do sul. É uma região onde muitos cristãos defendem que tais valores devem estar sendo refletidos nas ações do Estado e nos conteúdos passados pelas instituições de ensino. É uma região que tem dificuldades de lidar com o conceito de laicidade.
Isso me faz crer que o debate Criacionismo X Evolucionismo tem sido artificialmente importado para o Brasil. No entanto, se esta linha cristã americana continuar a influenciar os líderes evangélicos do Brasil, temo que este será mais um conflito que nasceu em solo americano que também germinará no Brasil...

 A que atribui o ensino único do evolucionismo nas escolas e universidades? É correto afirmar que há uma hegemonia deste, em detrimento de outros?
F.S: Sim é correto, mas quais outros? Existem várias teorias da evolução. Como disse antes algumas estão mais próximas de um darwinismo ortodoxo e outras nem tanto, neste sentido uma certa abordagem sobre a evolução poderá ser mais dominante que a outra. Existem cientistas que crêem que tais mecanismos evolutivos foram guiados por Deus (Design Inteligente), mas se tal crença não trouxer resultados novos no sentido que me referi acima então a comunidade científica não dará tanta atenção a tal crença.
No dia que alguém ou alguns desenvolverem uma teoria de base criacionista que seja capaz de explicar e prever mais fenômenos naturais de forma mais poderosa, então tal teoria começará a ganhar mais terreno.
Portanto, o papel do professor de ciências é ensinar teorias científicas e não seus pressupostos filosóficos e religiosos. Não estou me referindo aos professores que gostem de intercalar o ensino de seu conteúdo com história da ciência, dessa forma poderá tratar dos pressupostos que influenciaram o surgimento de uma determinada teoria. No entanto, como o criacionismo não é uma teoria científica, então ela não é e nem deve ser ensinada nos cursos de ciências.


Seria bom abrir espaço para o ensino do criacionismo nas escolas? E como deve ser feito?
F.S:Nas escolas confessionais, creio que sim, porém deveria se restringir somente as aulas de religião.


Acha válida uma conferência sobre esta temática, na Bahia?
F.S: Sim, sem dúvida. Creio que a contraposição de idéias e visões é algo sempre positivo, conhecer apenas um discurso sobre o mundo emburrece e limita o intelecto.


Sobre Frederik Moreira dos Santos*
Graduado em Física e mestre em Filosofia Contemporânea pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Tem experiência em ensino de Física no nível médio e superior, atualmente é professor substituto de Física na UFBA e intérprete da LIBRAS para surdos matriculados na Sec. de Edc. do Estado da Bahia. Escreve principalmente sobre os seguintes temas: História e Filosofia da Mecânica Quântica, Problema da Medição em Mecânica Quântica, Teorema de Bell e Adaptação do Currículo de Física para Surdos.
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