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Frederik Santos |
Apesar do debate Criacionismo X Evolucionismo ter "sido artificialmente importado para o Brasil" e estar ganhando espaço na mídia, o físico e mestre em Filosofia Contemporânea, Frederik Santos* acredita que a contraposição de idéias e visões é algo sempre positivo. "Conhecer apenas um discurso sobre o mundo, emburrece e limita o intelecto", defende ele. Em conformidade a este pensamento, acontece em Salvador, nos próximos dias 13 a 15, a I Conferência Internacional de Filosofia Científica das Origens. O evento discutirá a temática e apresentará pesquisas e evidências relacionadas ao criacionismo. "No dia que alguém desenvolver uma teoria de base criacionista que seja capaz de explicar e prever mais fenômenos naturais de forma mais poderosa, então tal teoria começará a ganhar mais terreno", argumenta o físico que é professor em cursos de graduação da Uiversidade Federal da Bahia (UFBA). Confira a entrevista realizada com o professor:
Do ponto de vista da Filosofia da Ciência, existem muitas teorias sobre as origens dos seres humanos e do universo?
F. S: Existem várias, porém teorias científicas não muitas. Não sei se podemos dizer que alcançamos o mesmo grau de clareza quanto aos mecanismos e processos que deram origem ao homem se compararmos aquilo que sabemos quanto à origem ao Universo.
Quais delas podemos classificar como científicas, levando em conta as evidências e procedimentos que levaram à consolidação?
F.S: Aqui não podemos evitar o problema da demarcação entre ciência e pseudociência. Este foi um dos problemas mais polêmicos nas discussões dos filósofos da ciência durante o século XX. Portanto, o máximo que posso dizer é que são levadas a sério pela maioria dos cientistas aquelas teorias e hipóteses que trazem informações novas sobre os sistemas estudados (sejam do mundo inanimado, psíquico ou social) de maneira que sejam capazes de nos fornecer modelos explicativos e/ou que nos forneçam um grau razoável na previsão dos dados passíveis de observação.
Poderia citar as que tem maior evidência nos meios acadêmicos baianos?
F. S: Seria preciso uma pesquisa de opinião, pois não tenho informações que sejam representativas da comunidade científica baiana. No entanto, na Universidade Federal da Bahia há um dos grupos (
Grupo de Pesquisa em História, Filosofia e Ensino de Ciências Biológicas) mais ativos na área de pesquisa sobre ensino e fundamentos da Biologia, tem a teoria da Evolução como eixo central. Este grupo tem sido fortemente influenciado por abordagens evolutivas não-ortodoxas, ou seja, aquelas que não se restringem as teorias neodarwinista, tais como a do biólogo
Stephen Jay Gould. Quanto à evolução do universo, o pensamento paradigmático que acredita que sua origem ocorreu a partir de um evento singular chamado Big-Bang, é o dominante.
E sobre a controvérsia entre Evolucionismo X Criacionismo que provoca debates muito acalorados em países europeus e nos EUA, por que esta tradição não se reflete nos centros de conhecimento nacionais?
F.S: Por várias razões... Primeiro, porque existem vários criacionismos e o tipo que enfrenta maior conflito na academia e nas escolas é aquele que se baseia em uma leitura literalista da narrativa da criação, ou seja, uma criação ocorrida em sete dias literais. Este criacionismo não é tão popular no Brasil (mesmo entre os católicos), diferente da realidade do sul dos EUA e de parte da sua costa oeste. No entanto, continua ganhando adeptos no Brasil, à medida em que ocorre o crescimento dos evangélicos, e esta é uma das razões que explica o porquê deste tema estar ganhando cada vez mais espaço na mídia.
Minha segunda observação é de natureza pragmática. Apesar de todo cientista possuir seus pressupostos filosóficos e/ou religiosos, raramente tais pressupostos vem à tona, a não ser que estes levem a modelos teóricos que forneçam resultados observacionais conflitantes. Neste caso, o foco do debate ou da controvérsia será em torno de qual modelo, fornecerá previsões mais precisas dos resultados observados.
Por fim, creio em uma terceira razão de fundo ideológico e político. O criacionismo literalista está atrelado a certos valores cristãos tradicionais e conservadores em que parte da sociedade americana defende. Os conflitos entre criacionismo e evolucionismo têm ocorrido principalmente na região chamada "cinturão da Bíblia", em geral nos estados do sul. É uma região onde muitos cristãos defendem que tais valores devem estar sendo refletidos nas ações do Estado e nos conteúdos passados pelas instituições de ensino. É uma região que tem dificuldades de lidar com o conceito de
laicidade.
Isso me faz crer que o debate Criacionismo X Evolucionismo tem sido artificialmente importado para o Brasil. No entanto, se esta linha cristã americana continuar a influenciar os líderes evangélicos do Brasil, temo que este será mais um conflito que nasceu em solo americano que também germinará no Brasil...
A que atribui o ensino único do evolucionismo nas escolas e universidades? É correto afirmar que há uma hegemonia deste, em detrimento de outros?
F.S: Sim é correto, mas quais outros? Existem várias teorias da evolução. Como disse antes algumas estão mais próximas de um darwinismo ortodoxo e outras nem tanto, neste sentido uma certa abordagem sobre a evolução poderá ser mais dominante que a outra. Existem cientistas que crêem que tais mecanismos evolutivos foram guiados por Deus (Design Inteligente), mas se tal crença não trouxer resultados novos no sentido que me referi acima então a comunidade científica não dará tanta atenção a tal crença.
No dia que alguém ou alguns desenvolverem uma teoria de base criacionista que seja capaz de explicar e prever mais fenômenos naturais de forma mais poderosa, então tal teoria começará a ganhar mais terreno.
Portanto, o papel do professor de ciências é ensinar teorias científicas e não seus pressupostos filosóficos e religiosos. Não estou me referindo aos professores que gostem de intercalar o ensino de seu conteúdo com história da ciência, dessa forma poderá tratar dos pressupostos que influenciaram o surgimento de uma determinada teoria. No entanto, como o criacionismo não é uma teoria científica, então ela não é e nem deve ser ensinada nos cursos de ciências.
Seria bom abrir espaço para o ensino do criacionismo nas escolas? E como deve ser feito?
F.S:Nas escolas confessionais, creio que sim, porém deveria se restringir somente as aulas de religião.
Acha válida uma conferência sobre esta temática, na Bahia?
F.S: Sim, sem dúvida. Creio que a contraposição de idéias e visões é algo sempre positivo, conhecer apenas um discurso sobre o mundo emburrece e limita o intelecto.
Sobre Frederik Moreira dos Santos*
Graduado em Física e mestre em Filosofia Contemporânea pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Tem experiência em ensino de Física no nível médio e superior, atualmente é professor substituto de Física na UFBA e intérprete da LIBRAS para surdos matriculados na Sec. de Edc. do Estado da Bahia. Escreve principalmente sobre os seguintes temas: História e Filosofia da Mecânica Quântica, Problema da Medição em Mecânica Quântica, Teorema de Bell e Adaptação do Currículo de Física para Surdos.